O behaviorismo é uma vertente da psicologia que estuda o comportamento humano de maneira experimental. Tem enfoque nos fatores que influenciam a forma de agir dos indivíduos.
As motivações, os estímulos e a disposição física e psicológica de um ambiente têm influência sobre como uma pessoa se comporta. A psicologia comportamental lança luz sobre esses aspectos.
Quando tratamos de Compliance, também estamos falando sobre comportamento humano. Em resumo, esse Sistema de Gestão contribui com a modificação do comportamento das pessoas de uma empresa, em busca de uma cultura que privilegia a ética e a integridade.
Em outras palavras, Compliance significa usar todos os recursos disponíveis para o certo ser feito numa organização. No aspecto legal, das normativas internas e externas e, principalmente, no âmbito da ética.
Portanto, o campo do behaviorismo e da análise comportamental tem muito a oferecer ao Compliance. A compreensão sobre o que determina os comportamentos humanos pode ser usada como meio de modificação de uma cultura organizacional.
Neste artigo, trataremos sobre essa relação e sobre como a psicologia e o Compliance, unidos, levam as empresas e os colaboradores a grandes resultados.
A Influência da Psicologia Comportamental na Cultura de Compliance
Um sistema efetivo de Compliance numa empresa depende da desafiadora habilidade de prever o comportamento humano.
Considerando o aspecto de vigilância no Compliance, por exemplo, está em jogo a estimativa correta de quais grupos ou pessoas são/estão mais propensos a cometer irregularidades, e em quais circunstâncias.
Já no trabalho com a comunicação, incluindo os treinamentos, é necessário entender quais mensagens são mais bem absorvidas, gerando melhores resultados.
Ou seja, o conhecimento sobre como os seres humanos tendem a se comportar em diferentes cenários e situações é fundamental para arranjar o ambiente de trabalho para ele reforçar sempre a ética e a integridade.
Agora, como isso acontece na prática? Vamos retomar brevemente alguns conceitos e formulações teóricas da Psicologia do Comportamento (ou behaviorismo) para entender melhor.
Aplicações da Psicologia Comportamental ao Compliance
Inicialmente, pesquisadores como Ivan Pavlov (1849-1936) trouxeram à psicologia insights importantes sobre o chamado condicionamento respondente — o tipo de comportamento diretamente afetado por um estímulo.
Nesse tipo de condicionamento, todas as respostas do organismo são “orgânicas”, espontâneas, como a dilatação/estreitamento das pupilas, salivação, frequência cardíaca, etc. Esses são reflexos inatos, ou seja, não são “aprendidos”.
Em seu famoso experimento, Pavlov demonstrou como cães aprendiam a “salivar” na presença de um estímulo neutro, anteriormente associado à causa natural do comportamento.
Primeiro, ele apresentava aos animais, isoladamente, um pedaço de carne (estímulo não condicionado), e eles produziam salivação: uma resposta espontânea do organismo do animal. O cientista, então, apresentava, também isoladamente, o toque de um sino (estímulo neutro), e a salivação, é claro, não ocorria.
Num segundo momento, ele juntou os dois estímulos — tocava o sino logo antes de apresentar o alimento, repetidamente. Finalmente, ao retirar a apresentação do alimento, percebeu que os cães produziam salivação pela mera presença do som. Agora torna-se um estímulo condicionado, ou seja, aprendido.
Esse processo é designado por aprendizagem associativa. Ou seja, é quando um organismo aprende a “responder” a um estímulo neutro por uma associação a um estímulo não-condicionado. No caso dos cães, eles aprenderam a esperar o alimento ao ouvir o som do sino porque os dois estímulos foram repetidamente associados.
Esse estudo básico sobre a relação entre os estímulos ambientais e possíveis respostas do indivíduo se expandiu e acabou por culminar no behaviorismo radical de Skinner, que estudou o comportamento operante.
E depois?
Mais tarde, Skinner estudou com mais profundidade o chamado condicionamento operante. Aqui, estamos falando de modelagem do comportamento: fazer com que um organismo se comporte de uma maneira que vai além do seu repertório inato e de maneira muito mais complexa.
Nos experimentos de B. F. Skinner (1904-1990), ele fazia com que, por exemplo, ratinhos de laboratório aprendessem a apertar uma alavanca para terem acesso a um alimento.
O processo é simples o suficiente de se entender, mas muito rico em repercussões e aplicações. O cientista reforçava cada comportamento que levaria o rato para mais perto do objetivo — apertar a alavanca.
Por exemplo, se o animal andasse até mais perto da alavanca, era premiado com um pedaço de queijo. Caso se afastasse logo depois, nada ganhava. Ao voltar a se direcionar para mais perto da alavanca, voltava a ser premiado. Em algum momento, o prêmio só vinha caso ele acertasse efetivamente a alavanca, e dava-se ali um condicionamento operante.
O condicionamento operante pode se entender como a manipulação de um comportamento por reforços que influenciam sua frequência.
Como exemplo, entende-se em geral que um sistema coerente e atingível de recompensas tenderá a produzir mais comportamentos que levam aos prêmios designados. Desde que os esforços sejam efetivamente reconhecidos.
Alguns cenários, entretanto, são mais sutis. Sabe-se, por exemplo, que a presença de um líder com baixos padrões éticos torna todo um time mais inclinado a cometer irregularidades.
Outro exemplo: sistemas de recompensa individuais de vendas tendem a gerar inveja entre membros de um time. Isso, por sua vez, torna os indivíduos mais predispostos a justificar seus comportamentos antiéticos.
Todos esses cenários podem ser descritos em termos de estímulos, respostas e reforçamentos, no esquema skinneriano.
Nesses tipos de arranjos mais complexos, uma abordagem puramente educativa ou punitiva pode não surtir efeitos. Nesse contexto, deve entrar em ação um time de analistas focados em comportamentos de risco, tendo posse de técnicas de intervenção eficientes para alcançar resultados.
Compliance: Incorporando Valores, Não Apenas Seguindo Regras
Um Programa de Compliance, muito além de apenas pretender fazer com que se cumpram regras, visa a internalização de valores éticos e de integridade.
Para Wagner Giovanini, a forma mais correta de pensá-lo é como a criação de uma cultura da ética, cultura do “fazer o certo”.
O autor afirma que o Compliance deve ser para pessoas e isso significa colocá-las no centro das definições em cada etapa do seu sistema. Ou seja, avaliar o que precisam, qual será o ganho para elas, explicar, demonstrar e convencê-las dos benefícios das mudanças; fazer com que entendam seus papéis, etc.
Para implementar mudanças, é imprescindível que se avalie quem são os envolvidos e os impactados, considerar suas dores e sempre facilitar as suas vidas — no melhor sentido possível.
O cumprimento das leis e a proteção da empresa, assim, são consequências das atitudes e decisões das pessoas que compõem a organização.
A análise do comportamento nos ensina que temos uma disposição muito poderosa de conservar energia mental. Por esse motivo, resistimos muito a mudar nossos hábitos.
Ao se implementar uma nova maneira de realizar uma ação, ou até uma nova maneira de pensar uma questão dentro de uma empresa, isso deve ser considerado. Tudo deve facilitar-se para garantir a realização da conduta íntegra.
E nessa direção, uma intervenção tem muito mais probabilidade de funcionar se for simples e direta, no sentido do procedimento, da materialidade da ação.
O behaviorismo nos esclarece sobre esses pormenores que determinam as motivações, as tomadas de decisão e o comportamento dos indivíduos e indica que há muito mais que se fazer do que somente impor regras no contexto do Compliance.
Conclusão
A psicologia comportamental desempenha um papel crucial na construção de uma cultura de ética e integridade numa organização.
A partir dos fatores de influência sobre o comportamento humano e as técnicas decorrentes desse estudo, é possível aplicar medidas efetivas para a agregar valores reais no comportamento cotidiano dos colaboradores.
Além disso, pesquisas em análise do comportamento provêm insights e nos informam sobre padrões de comportamento pertinentes para se pensar intervenções em Compliance.
Assim, Psicologia e Compliance unem-se em prol do desenvolvimento da empresa, criando uma cultura de “fazer o certo” e gerando os inúmeros benefícios decorrentes de um Compliance efetivo.